"A arte precisa de tempo"
Foi o único português seleccionado para a terceira edição de um muito importante prémio internacional: o ArsMundi 2008. Numa edição em que o prémio principal foi entregue ao indiano N S Harsha, o português expôs ao lado de artistas importantes a um nível global, como a brasileira Rosângela Rennó, o romeno Mircea Cantor e a afegã Lida Abdul, entre outros.
Mas nos prémios a este nível - e este, com um valor de 40 mil libras (cerca de 52 mil euros), é um dos mundialmente mais atraentes - a participação já é um reconhecimento importante do lugar destacado que os artistas seleccionados ocupam na cena artística mundial.
Vasco Araújo estudou escultura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e o seu trabalho caracteriza-se pela utilização abundante de fotografia, vídeo e textos, elementos sempre meticulosamente colocados, resultando em verdadeiras encenações.
Nesta estratégia de encenação, a ópera é um recurso constante deste artista que também é cantor: "Não sou cantor lírico profissional, mas continuo a estudar música. Optei pelo trabalho em arte, mas incorporei o elemento operático. A ópera é obrigatória no meu trabalho porque faz parte da minha vida: estou sempre a ouvir ópera, a cantar, a pensar nos modelos que a ópera nos dá."
A razão, conclui o artista em declarações ao DN gente, é que "a voz, numa ópera, traz-me uma emoção muito mais completa. O modo como uso o vídeo no meu próprio trabalho tem em si uma certa ideia da obra de arte total, porque incorporo todas as linguagens numa só: a música, a imagem, o texto".
Nessa ideia wagneriana da ópera como obra de arte total, Vasco Araújo encontra uma maior presença e concentração das emoções humanas. E é para estas que o artista quer no seu trabalho encontrar a dimensão certa.
O recurso que faz a personagens da tradição clássica da literatura e do teatro insere-se nesta lógica da descoberta dos elementos que com maior eficácia "permitam dar uma forma às inquietações". As narrativas que escolhe são quase sempre trágicas porque é uma convicção do artista que "é na dor, no desespero, que o ser humano se revela".
Interessa-lhe "pensar naquilo que nós somos, no que fizemos e não fizemos, nas nossas dores internas que nunca são muito faladas ou exteriorizadas". Uma consciência que Araújo transporta para a própria natureza da arte através de trabalhos que lidam com "a falha na obra de arte, que é também uma falha do próprio público que só à distância se consegue relacionar com as emoções que certos trabalhos propõem".
Isto a que o artista chama falha expressa-se principalmente no "desajustamento entre aquilo que os artistas entendem e aquilo que as pessoas vêem." E é nesta espécie de desencontro que reside a "dificuldade entre a arte do nosso tempo e o público de agora".
Vasco Araújo é um dos artistas mais bem-sucedidos da sua geração: participou nas importantes Bienais de Veneza e Sydney, já fez exposições individuais em museus importantes na Europa e nos EUA e foi escolhido pelo crítico americano Robert Storr (um dos nomes mais importantes da crítica mundial) como um dos artistas-revelação de 2006.
Mas para ele o facto de ser um artista bem-sucedido só o obriga "a trabalhar mais". Acrescenta: "Deve ter--se a sabedoria de dizer não a muitas coisas, não se pode aceitar todos os convites porque não se consegue tudo bem e um artista sem tempo vai inevitavelmente fazer mau trabalho. Um artista tem de guardar o seu tempo para evitar repetições mecânicas que depois criam maus trabalhos."
No panorama actual em que "está tudo muito preocupado em saber como é que constrói uma carreira porque o mercado é muito activo, os museus muito mais abertos e acessíveis, está tudo muito organizado com livros, currículos, com jantares e festas". Araújo adverte que "não é isso que constrói a carreira: só o trabalho é que pode fazer a carreira de um artista e o trabalho faz-se a trabalhar todos os dias numa espécie de obsessão pelo próprio trabalho".
Este artista tem a convicção de que só "a evolução nos pode consolar. Porque nada consola ninguém, só há momentos de consolação: comer, fazer sexo, beijar, fazer compras, ir à ópera, etc. Mas são só momentos em que a dor parece anular-se, para voltarmos logo a tropeçar na dor anterior. O que nos pode consolar é percebermos que passado algum tempo a dor nos fez andar, e ficamos contentes com esta consciência".
E o que diz quanto à experiência da arte? "Ela pode consolar-nos completamente da dor de estarmos vivos: é uma experiência revigorante. Para mim a arte serve essencialmente para libertar uma espécie de energia que está acumulada, é como o orgasmo na relação sexual. Não é a beleza que nos consola, mas sim esta libertação."|